Se a situação parecia estranha e confusa ao amanhecer, John não poderia expressar com palavras o grande amontoado de pensamentos que ocupavam sua mente naquele instante. A policia estava em sua porta, acusando-o, com certa razão, de dar abrigo a uma acusada de espionagem comercial.
Primeiro se dera conta de que não se lembrava de praticamente nada de suas experiências na noite anterior, por ter visivelmente abusado das bebidas alcoólicas e também por ter experimentado, juntamente com Giulliana, as sensações que o liquido vermelho poderia causar.
Num segundo momento, percebeu que seu leito era dividido por uma maravilhosamente bela mulher, que fitava-o com os olhos mais belos que ele jamais vira em toda sua vida. No entanto ela estava visivelmente morta, causando-lhe maior confusão e arrepios de medo e culpa.
E numa reviravolta estranha, digna de um delírio etílico, a dama beijada pela morte mostrou-se tão ou mais viva do que ele próprio. Levantara-se, enquanto pedia a ele que não chamasse a policia nem tomasse medidas precipitadas.
Agora que tudo parecia prestes a ser explicado, ele recebia mais um soco no estomago, percebendo que além de ter talvez entregue seu maior segredo a ela, a policia poderia prendê-lo por cumplicidade com Giulliana. Se isso acontecesse, seu projeto estaria realmente correndo risco de ser perdido.
Olhou espantado e ao mesmo tempo irritado para Giulliana, num questionamento silencioso sobre os motivos de tudo aquilo. Ele não imagina que ela estava sendo procurada pela policia e agora ela estava ali, em sua porta. Ela olhou para ele com calma e então sussurrou, tentando evitar ser ouvida pela policia:
- O que eu tentava explicar é que, depois daquela reunião, fui procurada pelos homens que me ameaçaram, que estavam à procura de novas informações sobre seus projetos. Eles estão me ofereceram um novo trabalho e disseram que se eu o fizesse, além da segurança de meu irmão, eu poderia receber muito dinheiro.
- E qual era esse ultimo trabalho?
- Era seduzi-lo para que você aceitasse fazer um contrato de exclusividade com eles, para que suas descobertas fossem exploradas apenas por eles e por ninguém mais. Eu sabia que você não aceitaria, mas não tinha escolha. Tinha a certeza que se negasse a tarefa eles matariam meu irmão e eu também.
- Então tudo isso foi parte de uma jogada para conseguir tirar informações de mim? E eu cai totalmente.
- Não! Eu disse que aceitava, mas internamente eu tinha a convicção de que você me ajudaria de alguma maneira. Eu não poderia traí-lo novamente.
- Mas porque você sentiu remorso? Com toda a certeza você ficaria rica!
- Sim. Mas isso não seria correto. Tudo o que fiz, e tenha a certeza, eu me sinto envergonhada de tudo isso, foi por querer garantir a segurança de meu irmão. No entanto me dei conta que isso nunca teria fim se você não soubesse o que estava acontecendo. Além do mais, sua atitude de manter publico o estudo, mesmo após ofertas enormes de dinheiro me fez repensar os meus conceitos.
- Certo. Isso não faz sentido, mas é um começo. Mas por que você está sendo procurada pela policia na minha casa? Você está envolvida em denuncias de espionagem, eu sei disso, mas de todos os lugares, o mais improvável para você estar é comigo, certo?
- Talvez os homens que tentaram conseguir os segredos industriais tenham ficado descontentes por eu não ter lhes enviado o relatório como deveria, ontem à noite, e tenham decidido me prejudicar de todas as maneiras possíveis.
- Daremos um jeito de resolver essa situação. Agora eu preciso pensar em um jeito de fazer com que a policia vá embora sem lhe prejudicar.
- Eu não tenho medo de morrer, John. Eu temo pelo meu irmão. E eu temo por você.
Confuso, John se deu conta de que ele, mesmo de forma indireta, tinha causado aquela situação. Ao dar a Giulliana a oportunidade de experimentar o liquido vermelho, ele fez com que ela não tivesse como se comunicar com o homem que lhe enviara até ali e por isso ele devia ter decidido acabar com o jogo.
- Mas como ele descobriu que você estava aqui? Tenho certeza de que você não entrou em contato com ninguém após ter chegado aqui.
- Você mesmo se entregou ao ligar para a policia, em pânico, quando me encontrou aqui. Com toda certeza eles tem alguém infiltrado na policia e então ligaram os fatos. Eu estou com medo, John.
Emocionado e sentindo-se como há muito tempo não se sentia, John aproximou-se devagar, olhando para os olhos azuis com um encanto que não parecia abalado pelas batidas cada vez mais fortes na porta. Segurou levemente suas mãos e então deixou que o momento se extravasasse em um beijo doce e suave.
O sabor daquele beijo lembrou-lhe outro, que ficara esquecido por anos, durante seu isolamento da vida social, onde prendera-se somente ao estudo e a busca da cura do câncer. Depois de tudo que passara, parecia que aquele beijo doce, que nascera no momento de maior confusão de sua vida, libertava-o da dor que trazia consigo há tanto tempo.
Em sua memória vinha somente a imagem daquela que lhe dera o ultimo beijo que ele provara até aquele instante. Giovanna, sua noiva, era tão bela quando aquela que estava ali com ele agora, porém não era tão saudável. Na verdade, seu corpo às vezes estava tão frágil, que sua saúde vivia em um mar de altos e baixos. Seus cabelos negros, lisos, contrastavam fortemente com sua pele alva e suave. Sua voz era alta e estridente, mas tinha uma beleza que ele nunca percebera em outra pessoa. Da amizade ao amor foram apenas semanas e logo eles estavam noivos, diante de uma sociedade espantada.
Giovanna era enfermeira do hospital onde fizera sua residência e logo ele, o grandioso médico e cientista, filho de uma das mais nobres famílias dos Estados Unidos, se viu apaixonado por ela. Foram felizes por um ano e meio, quando ela lhe deu a noticia de que estava grávida. Para John, aquele foi o momento mais feliz de sua vida.
No entanto, antes que sua felicidade se fizesse maior e mais real, Giovanna teve um aborto motivado por um acidente de trabalho e ficou ainda mais frágil. No entanto, como se descobriu depois, esse não foi o verdadeiro motivo de sua fragilidade.
Um exame mais aprofundado descobriu que em seu organismo se encontrava um câncer em estado bastante avançado, que se desenvolvera muito mais rápido do que o normal.
De um dia para o outro, John percebeu que ela ficava cada vez mais fraca e triste. A doença viera rápida e fatal e em menos de meses, ela estava ali, morta, diante de um John estático e deprimido. Sua perda havia sido o marco inicial das pesquisas e sua motivação constante, dia após dia, ano a ano. E agora, que tudo parecia prestes a dar certo com seu experimento, sua vida dava uma reviravolta tão grande.
Afastou-se de Giulliana, decidido a abrir a porta e tentar esclarecer o mal-entendido com a policia, para que isso não afetasse a imagem publica que ele tentava proteger, para que a credibilidade do estudo não fosse questionada e talvez o mais importante, para que ela não fosse prejudicada de forma alguma, pois percebeu que ela era talvez a pessoa que chegara mais perto de fazer com que ele voltasse a viver como antes.
Ao abrir a porta, tudo tomou um rumo diferente do que ele planejara. Os homens não estavam fardados e muito menos pareciam com policiais de verdade. Armas em punho, pareciam assassinos prontos a abater suas vitimas, sem remorso.
John tentou argumentar, mas foi empurrado para longe. Gritou para Giulliana que corresse e tentasse fugir, mas recebeu um murro no rosto, que o atingiu com tamanha força que ele caiu atônito ao chão. Tentou levantar, mas as pernas doíam e ele se sentia desorientado.
Os homens entraram na casa e antes mesmo que ele pudesse reagir, um tiro se fez ouvir e Giulliana caiu no chão, seu sangue manchando o belo vestido branco que vestira enquanto John fora até a porta. De sua garganta se fez ouvir um grito de dor e de medo e então se fez o silencio. Os homens se aproximaram de John e o atacaram com a arma.
John, cheio de dor e de raiva, preocupado com Giulliana, tentou atacá-los com uma estatueta de pedra que estava próxima dele, mas foi atingido por uma coronhada na nuca.
Sentiu uma intensa dor em sua cabeça e caiu desacordado.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Capitulo Três: Quando a confusão toma conta
Seu coração ainda estava bastante acelerado quando se aproximou mais da mulher, procurando entender o que estava acontecendo ali. Suas lembranças da noite anterior ainda eram borrões e as palavras que às vezes voltavam à sua mente não faziam sentido. “Beba, meu amor, beba comigo”.
Pensou o tempo que pôde, tentando recordar o que acontecera ali, sem sucesso. Algum tempo passou até que seus instintos e sua ética médica o impeliram a trazer de volta a vida aquela jovem de beleza tão rara. A respiração estava realmente silenciada e a pulsação parecia ter deixado de existir. No entanto o corpo não estava totalmente frio e também não apresentava qualquer tipo de ferimento visível. A única constatação que pôde fazer foi perceber que existiam pequenas manchas avermelhadas em sua pele, indicando picadas de agulha.
Fitou os lindos olhos azuis e então se deu conta de que algo estava muito errado naquela cena. O corpo estava deitado sobre o lençol e este não estava nem um pouco desarrumado, indicando que não se movera após tocar a seda branca que cobria a cama.
- Essa mulher não pode ter morrido aqui. Com toda a certeza seu corpo foi colocado aqui após sua morte. Não se moveu após estar aqui, está impecavelmente arrumado e não está ferido de forma alguma.
Aproximou-se mais, ousando tocar os dedos da jovem, que se estendiam, soltos, sobre seu tórax. Imaginou ver uma reação ao tocá-los, mas não fazia sentido e então se pôs a relembrar algumas cenas que estavam invadindo sua cabeça naquele instante.
Viu-se em uma grande sala, onde várias pessoas discutiam assunto de grande importância, dada a tensão que existia no local. Viu-se sentado na ponta principal da mesa, no lugar de maior destaque. Ouviu quando sua própria voz falou mais alto que a dos demais:
- Acredito que não seja um momento favorável para apresentar ao mundo os segredos desta nova forma de cura. Talvez seja muito arriscado para nossos investimentos.
- Senhor, com todo respeito, acredito que deveria aceitar a oferta que recebemos. O tempo poderá fazer com que a sua determinação não seja tão forte e talvez o momento tenha passado quando isso acontecer. Aceite a oferta deles.
Não conseguiu ver quem falava, apenas perceber que era uma mulher. Sua voz era suave e adocicada e mesmo assim possuía força e determinação ao falar. A palavra oferta, dita duas vezes, não fazia mais sentido que o resto, mas ele tentava juntar os fatos às palavras e entender como aquilo tudo começara. Ele se lembrava também da estranha ligação que recebera dias atrás e que constantemente voltava à sua mente, em seus sonhos ou pesadelos.
Olhou para a mulher e imaginou ver um movimento. Os dedos pareciam ter mudado de posição, os lábios pareciam mais contraídos e os olhos estavam menos abertos.
- Devo estar delirando. Isto está ficando cada vez pior. Preciso tomar algumas atitudes.
Tocou o rosto pálido com a ponta dos dedos e com um sorriso triste, sussurrou:
- Faria muito mais sentido se você acordasse e me explicasse o que está acontecendo aqui.
Afastou-se, indo em direção ao telefone fixo que estava do lado oposto do quarto. Evitava utilizar celulares por crer que eles podiam rastreá-lo e, naquele momento de suas pesquisas, ser seguido e descoberto seria o pior que poderia acontecer a ele.
Teria que ligar para a policia e contar sobre a moça. Sua família provavelmente estaria preocupada e ele mesmo necessitava encontrar respostas para tudo aquilo. Mesmo que isso pudesse atrapalhá-lo de alguma forma, era o certo a ser feito.
O telefone do outro lado da linha tocou por alguns instantes e então uma voz feminina, de tom forte e confiante atendeu:
- Departamento de Policia, em que posso ajudar?
- Com quem eu falo?
- Tenente Donna Stuart.
- Donna? Sou eu, John. Eu estou com um grande problema aqui.
- John, o que houve? Se meteu em algum tipo de confusão?
- O problema é bem grande. Eu não sei se posso explicar por telefone.
- Certo, me diga onde está e o que aconteceu.
- Uma moça... Ela está...
Foi então que ouviu uma voz chamando seu nome. Ela lhe soou familiar e vinha do outro lado do quarto.
- Não conte nada a eles, John. Tudo pode ser resolvido sem o envolvimento da policia.
Preocupado e confuso, John olhou para onde a voz parecia vir e então viu algo que fez seu coração quase parar de bater. O susto não poderia ser maior ao ver que a jovem que ele mesmo dera como morta estava ali, sentada e conversando com ele.
Do outro lado da linha, a policial chamou seu nome, preocupada com o que poderia estar acontecendo.
- John? John, o que houve?
- Donna, ligo para você mais tarde. Adeus.
Desligando o telefone, ele se dirigiu para perto da cama, incrédulo. Não parecia mesmo ser uma manhã normal. Uma mulher morta em sua cama, mas que falava com ele, uma chuva tempestuosa e implacável, gritos, bebida. Tudo tornava a cena mais confusa.
- Você estava morta! Eu mesmo chequei!
- Um médico e cientista como você deveria saber que o efeito colateral de algumas drogas pode ser um quadro de catalepsia temporária. Me desculpe se o assustei, não foi minha intenção. Você foi tão bondoso ao me trazer para cá depois de tudo que aconteceu ontem à noite.
- Catalepsia... Sim, eu realmente deveria ter imaginado. As marcas no braço, a aparente imobilidade, o corpo com temperatura não tão baixa. Faz sentido. No entanto, uma coisa ainda está obscura em minha cabeça. Quem é você?
A moça sorriu, visivelmente decepcionada por perceber que o homem não se lembrava ao menos de seu nome.
- Meu nome é Giulliana, mas você deveria se lembrar disso, William.
- Você sabe meu nome, mas não me faz ao menos lembrar quem você possa ser, me desculpe. Eu a vejo nos flashs de memória da noite anterior, mas eles não são claros o suficiente pra me fazer entender.
- Ontem à noite você estava na boate que costumava freqüentar antes do... incidente que se acometeu sobre você há algum tempo. Tentando me desculpar pelo ocorrido mais cedo, tentei me aproximar de você. Levou certo tempo até conseguir, é claro. Você é um homem extremamente rico e conhecido e muitos são os sanguessugas que querem tirar proveito disto. Mas é claro que com alguns bons contatos e dinheiro fizeram com que o gerente do local me levasse até você.
Uma ruga de tensão se formou na testa de John e então mais alguns momentos da noite anterior vieram a tona.
“Phillip, por que eu deveria receber essa mulher em minha mesa?... Certo, eu entendo que ela seja sua amiga pessoal e por isso farei esse sacrifício”.
“Sabe, você se parece com alguém que conheci há muito tempo. Seu rosto é um pouco mais claro, mas se parece muito com o dela... O nome?... Era Giulliana, assim como o seu. Infelizmente ela faleceu”.
- Continue. Eu sinto em dizer, mas tirando alguns poucos instantes, a noite passada é um incrível mar de escuridão e lembranças vagas.
- Você me ofereceu uma bebida e eu aceitei, claro. São raros os momentos em que se pode desfrutar da presença de John William Morris. E por querer esclarecer a situação que me fizera sentir peso na consciência, deixei que a conversa seguisse seus rumos. Você estava bastante apreensivo e parecia deprimido e então eu tentei levá-lo a um lugar mais reservado, onde pudesse descobrir seus motivos. Saímos da boate e eu o convidei a ir até minha casa. Você aceitou, já que a noite ali parecia promissoramente morta. No caminho eu tive uma grande crise de asma e você me trouxe até aqui.
- Certo, isso explica muita coisa, mas não as drogas nem a catalepsia.
- Eu já ia tratar deste assunto. Chegando aqui você me ofereceu uma bebida, disse que precisava checar algumas coisas em seu computador e que voltaria em um minuto. Eu o segui, discretamente, mas não tive coragem de entrar na sala onde você estava. Você voltou e me explicou que estava trabalhando em um projeto muito importante e que precisava ter certeza de que daria certo.
- O projeto... Sim, mas eu não falaria dele para ninguém neste mundo!
- Você falou. E não parecia tão decidido a não contar, quando me beijou.
- Eu beijei você? E o que mais eu fiz?
- Você me mostrou alguns frascos de um liquido vermelho, que você disse fazer parte do projeto em que estava trabalhando durante todo esse tempo. Eu questionei sobre o que aconteceria caso eu aplicasse em mim. Você sorriu e disse “nada”.
- Como fui irresponsável! Eu nunca poderia ter mostrado esse tipo de material para alguém. Ele é muito perigoso. E você aplicou o liquido com uma seringa enquanto eu me retirei para ver novamente o computador, certo?
- Não. Você aplicou em mim e me disse para deitar, que os efeitos poderiam ser fortes. E então você deitou-se ao meu lado e dormiu. Aos poucos o sono se abateu sobre mim e então eu dormi. E até agora, é tudo que sei.
Algumas imagens atravessaram sua visão e então ele se deu conta de que a mulher que estava ali com ele, falando sobre coisas estranhas, mostrando que ele fora irresponsável e colocando-o em situação bastante delicada não era ninguém menos do que Giulliana Mendes, funcionaria da empresa da família e que tinha sido afastada de seu cargo por denuncia anônima de envolvimento em uma rede de espionagem industrial.
Se ela era Mendes, e tudo indicava que sim, por que parecia tão sincera e verdadeira ao dizer que ele mesmo quebrara seu incrível sistema de segurança e mostrara a ela parte de seu projeto mais secreto? Seria esse um argumento para que ele se sentisse culpado e baixasse a guarda? Ele não se conformava em ter entregado a alguém que não conhecia os segredos de anos de esforço.
- Você não deveria estar aqui! Você está sendo investigada por espionagem industrial e eu posso me complicar com as autoridades mantendo contato com você. Talvez seja melhor você ir embora.
- Pensei que você tivesse entendido os motivos pelos quais estou aqui. Agi de forma tola ao trair sua confiança e na ultima reunião da empresa, eu agi de forma contrária ao que mandava a ética e entreguei todo o conteúdo da reunião à pessoas de duas empresas concorrentes.
- Você realmente está envolvida em espionagem! O que mais você esconde por trás dessa mascara de boa moça?
- Eu fui ameaçada! Eles disseram que se eu não entregasse o que eles queriam saber, me matariam e também matariam meu irmão pequeno. Moramos somente nós dois e eu não poderia deixar que nada de mal lhe acontecesse. Perdoe-me por isso, John.
- Certo. Eu posso compreender seus motivos. Sempre que somos atingidos no que nos é mais importante, tendemos a cair em armadilhas. Sou o maior exemplo disso. Quando ela morreu, eu... bem, deixemos isso no passado.
- Existe algo que você precisa saber de algo. Eles...
Quando a resposta para suas dúvidas parecia estar prestes a ser entregue a ele, John ouviu batidas na porta. Como não obteve resposta, a pessoa que estava ali gritou, com visível irritação em sua voz:
- John William Morris, sabemos que Giulliana Mendes está com você. Abra a porta.
Enquanto John processava a ultima informação, a voz deu seu ultimato:
- Abra a porta, John. Aqui é a policia.
Pensou o tempo que pôde, tentando recordar o que acontecera ali, sem sucesso. Algum tempo passou até que seus instintos e sua ética médica o impeliram a trazer de volta a vida aquela jovem de beleza tão rara. A respiração estava realmente silenciada e a pulsação parecia ter deixado de existir. No entanto o corpo não estava totalmente frio e também não apresentava qualquer tipo de ferimento visível. A única constatação que pôde fazer foi perceber que existiam pequenas manchas avermelhadas em sua pele, indicando picadas de agulha.
Fitou os lindos olhos azuis e então se deu conta de que algo estava muito errado naquela cena. O corpo estava deitado sobre o lençol e este não estava nem um pouco desarrumado, indicando que não se movera após tocar a seda branca que cobria a cama.
- Essa mulher não pode ter morrido aqui. Com toda a certeza seu corpo foi colocado aqui após sua morte. Não se moveu após estar aqui, está impecavelmente arrumado e não está ferido de forma alguma.
Aproximou-se mais, ousando tocar os dedos da jovem, que se estendiam, soltos, sobre seu tórax. Imaginou ver uma reação ao tocá-los, mas não fazia sentido e então se pôs a relembrar algumas cenas que estavam invadindo sua cabeça naquele instante.
Viu-se em uma grande sala, onde várias pessoas discutiam assunto de grande importância, dada a tensão que existia no local. Viu-se sentado na ponta principal da mesa, no lugar de maior destaque. Ouviu quando sua própria voz falou mais alto que a dos demais:
- Acredito que não seja um momento favorável para apresentar ao mundo os segredos desta nova forma de cura. Talvez seja muito arriscado para nossos investimentos.
- Senhor, com todo respeito, acredito que deveria aceitar a oferta que recebemos. O tempo poderá fazer com que a sua determinação não seja tão forte e talvez o momento tenha passado quando isso acontecer. Aceite a oferta deles.
Não conseguiu ver quem falava, apenas perceber que era uma mulher. Sua voz era suave e adocicada e mesmo assim possuía força e determinação ao falar. A palavra oferta, dita duas vezes, não fazia mais sentido que o resto, mas ele tentava juntar os fatos às palavras e entender como aquilo tudo começara. Ele se lembrava também da estranha ligação que recebera dias atrás e que constantemente voltava à sua mente, em seus sonhos ou pesadelos.
Olhou para a mulher e imaginou ver um movimento. Os dedos pareciam ter mudado de posição, os lábios pareciam mais contraídos e os olhos estavam menos abertos.
- Devo estar delirando. Isto está ficando cada vez pior. Preciso tomar algumas atitudes.
Tocou o rosto pálido com a ponta dos dedos e com um sorriso triste, sussurrou:
- Faria muito mais sentido se você acordasse e me explicasse o que está acontecendo aqui.
Afastou-se, indo em direção ao telefone fixo que estava do lado oposto do quarto. Evitava utilizar celulares por crer que eles podiam rastreá-lo e, naquele momento de suas pesquisas, ser seguido e descoberto seria o pior que poderia acontecer a ele.
Teria que ligar para a policia e contar sobre a moça. Sua família provavelmente estaria preocupada e ele mesmo necessitava encontrar respostas para tudo aquilo. Mesmo que isso pudesse atrapalhá-lo de alguma forma, era o certo a ser feito.
O telefone do outro lado da linha tocou por alguns instantes e então uma voz feminina, de tom forte e confiante atendeu:
- Departamento de Policia, em que posso ajudar?
- Com quem eu falo?
- Tenente Donna Stuart.
- Donna? Sou eu, John. Eu estou com um grande problema aqui.
- John, o que houve? Se meteu em algum tipo de confusão?
- O problema é bem grande. Eu não sei se posso explicar por telefone.
- Certo, me diga onde está e o que aconteceu.
- Uma moça... Ela está...
Foi então que ouviu uma voz chamando seu nome. Ela lhe soou familiar e vinha do outro lado do quarto.
- Não conte nada a eles, John. Tudo pode ser resolvido sem o envolvimento da policia.
Preocupado e confuso, John olhou para onde a voz parecia vir e então viu algo que fez seu coração quase parar de bater. O susto não poderia ser maior ao ver que a jovem que ele mesmo dera como morta estava ali, sentada e conversando com ele.
Do outro lado da linha, a policial chamou seu nome, preocupada com o que poderia estar acontecendo.
- John? John, o que houve?
- Donna, ligo para você mais tarde. Adeus.
Desligando o telefone, ele se dirigiu para perto da cama, incrédulo. Não parecia mesmo ser uma manhã normal. Uma mulher morta em sua cama, mas que falava com ele, uma chuva tempestuosa e implacável, gritos, bebida. Tudo tornava a cena mais confusa.
- Você estava morta! Eu mesmo chequei!
- Um médico e cientista como você deveria saber que o efeito colateral de algumas drogas pode ser um quadro de catalepsia temporária. Me desculpe se o assustei, não foi minha intenção. Você foi tão bondoso ao me trazer para cá depois de tudo que aconteceu ontem à noite.
- Catalepsia... Sim, eu realmente deveria ter imaginado. As marcas no braço, a aparente imobilidade, o corpo com temperatura não tão baixa. Faz sentido. No entanto, uma coisa ainda está obscura em minha cabeça. Quem é você?
A moça sorriu, visivelmente decepcionada por perceber que o homem não se lembrava ao menos de seu nome.
- Meu nome é Giulliana, mas você deveria se lembrar disso, William.
- Você sabe meu nome, mas não me faz ao menos lembrar quem você possa ser, me desculpe. Eu a vejo nos flashs de memória da noite anterior, mas eles não são claros o suficiente pra me fazer entender.
- Ontem à noite você estava na boate que costumava freqüentar antes do... incidente que se acometeu sobre você há algum tempo. Tentando me desculpar pelo ocorrido mais cedo, tentei me aproximar de você. Levou certo tempo até conseguir, é claro. Você é um homem extremamente rico e conhecido e muitos são os sanguessugas que querem tirar proveito disto. Mas é claro que com alguns bons contatos e dinheiro fizeram com que o gerente do local me levasse até você.
Uma ruga de tensão se formou na testa de John e então mais alguns momentos da noite anterior vieram a tona.
“Phillip, por que eu deveria receber essa mulher em minha mesa?... Certo, eu entendo que ela seja sua amiga pessoal e por isso farei esse sacrifício”.
“Sabe, você se parece com alguém que conheci há muito tempo. Seu rosto é um pouco mais claro, mas se parece muito com o dela... O nome?... Era Giulliana, assim como o seu. Infelizmente ela faleceu”.
- Continue. Eu sinto em dizer, mas tirando alguns poucos instantes, a noite passada é um incrível mar de escuridão e lembranças vagas.
- Você me ofereceu uma bebida e eu aceitei, claro. São raros os momentos em que se pode desfrutar da presença de John William Morris. E por querer esclarecer a situação que me fizera sentir peso na consciência, deixei que a conversa seguisse seus rumos. Você estava bastante apreensivo e parecia deprimido e então eu tentei levá-lo a um lugar mais reservado, onde pudesse descobrir seus motivos. Saímos da boate e eu o convidei a ir até minha casa. Você aceitou, já que a noite ali parecia promissoramente morta. No caminho eu tive uma grande crise de asma e você me trouxe até aqui.
- Certo, isso explica muita coisa, mas não as drogas nem a catalepsia.
- Eu já ia tratar deste assunto. Chegando aqui você me ofereceu uma bebida, disse que precisava checar algumas coisas em seu computador e que voltaria em um minuto. Eu o segui, discretamente, mas não tive coragem de entrar na sala onde você estava. Você voltou e me explicou que estava trabalhando em um projeto muito importante e que precisava ter certeza de que daria certo.
- O projeto... Sim, mas eu não falaria dele para ninguém neste mundo!
- Você falou. E não parecia tão decidido a não contar, quando me beijou.
- Eu beijei você? E o que mais eu fiz?
- Você me mostrou alguns frascos de um liquido vermelho, que você disse fazer parte do projeto em que estava trabalhando durante todo esse tempo. Eu questionei sobre o que aconteceria caso eu aplicasse em mim. Você sorriu e disse “nada”.
- Como fui irresponsável! Eu nunca poderia ter mostrado esse tipo de material para alguém. Ele é muito perigoso. E você aplicou o liquido com uma seringa enquanto eu me retirei para ver novamente o computador, certo?
- Não. Você aplicou em mim e me disse para deitar, que os efeitos poderiam ser fortes. E então você deitou-se ao meu lado e dormiu. Aos poucos o sono se abateu sobre mim e então eu dormi. E até agora, é tudo que sei.
Algumas imagens atravessaram sua visão e então ele se deu conta de que a mulher que estava ali com ele, falando sobre coisas estranhas, mostrando que ele fora irresponsável e colocando-o em situação bastante delicada não era ninguém menos do que Giulliana Mendes, funcionaria da empresa da família e que tinha sido afastada de seu cargo por denuncia anônima de envolvimento em uma rede de espionagem industrial.
Se ela era Mendes, e tudo indicava que sim, por que parecia tão sincera e verdadeira ao dizer que ele mesmo quebrara seu incrível sistema de segurança e mostrara a ela parte de seu projeto mais secreto? Seria esse um argumento para que ele se sentisse culpado e baixasse a guarda? Ele não se conformava em ter entregado a alguém que não conhecia os segredos de anos de esforço.
- Você não deveria estar aqui! Você está sendo investigada por espionagem industrial e eu posso me complicar com as autoridades mantendo contato com você. Talvez seja melhor você ir embora.
- Pensei que você tivesse entendido os motivos pelos quais estou aqui. Agi de forma tola ao trair sua confiança e na ultima reunião da empresa, eu agi de forma contrária ao que mandava a ética e entreguei todo o conteúdo da reunião à pessoas de duas empresas concorrentes.
- Você realmente está envolvida em espionagem! O que mais você esconde por trás dessa mascara de boa moça?
- Eu fui ameaçada! Eles disseram que se eu não entregasse o que eles queriam saber, me matariam e também matariam meu irmão pequeno. Moramos somente nós dois e eu não poderia deixar que nada de mal lhe acontecesse. Perdoe-me por isso, John.
- Certo. Eu posso compreender seus motivos. Sempre que somos atingidos no que nos é mais importante, tendemos a cair em armadilhas. Sou o maior exemplo disso. Quando ela morreu, eu... bem, deixemos isso no passado.
- Existe algo que você precisa saber de algo. Eles...
Quando a resposta para suas dúvidas parecia estar prestes a ser entregue a ele, John ouviu batidas na porta. Como não obteve resposta, a pessoa que estava ali gritou, com visível irritação em sua voz:
- John William Morris, sabemos que Giulliana Mendes está com você. Abra a porta.
Enquanto John processava a ultima informação, a voz deu seu ultimato:
- Abra a porta, John. Aqui é a policia.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Capitulo Dois: Tudo pode estar acabado
O dia nascera frio e escuro naquela sexta-feira de novembro. A chuva começara logo nas primeiras horas do dia e não dera trégua até aquele momento. Parecia que seria mais um dia longo e difícil de suportar.
John acordara cedo, pronto para dirigir-se ao laboratório que construira em sua propriedade rural, distante dali algumas horas. Uma vez estando lá, poderia facilmente passar dias sem ter que voltar à sociedade, já que tudo fora preparado para grandes estadias. Havia alimento suficiente para meses e a fonte de água mineral que fora perfurada ali poderia conceder-lhe mantimento para uma estadia longa.
No entanto a chuva interminável tornara impossível a travessia do rio que separava a casa e o laboratório da estrada existente. O rio aumentara seu volume de tal forma que mesmo pela ponte construída ali não era possível cruzar o rio de forma segura.
Seu projeto maior estava em andamento e ele não poderia se dar ao luxo de deixar que ele ficasse sem sua vigilância direta. O laboratório era totalmente equipado com os maiores avanços da tecnologia e podia ser totalmente monitorado remotamente. O sistema de segurança, criado por ele mesmo, era impenetrável e nem mesmo grandes nomes da invasão de sistemas foram capazes de atravessá-lo.
Apesar de tamanha facilidade, a total mecanização dos procedimentos tornava tudo mais solitário, já que além dele mesmo, não haviam outras pessoas a dividir o mesmo espaço. Tudo era feito de silencioso metal e plástico, que não produziam o menor ruído enquanto funcionavam.
Nascera em uma distante cidade no sul do Brasil, de onde fora levado para os Estados Unidos quando contava apenas três anos de idade e desde então nunca pisara em solo brasileiro novamente. Apesar da enorme distancia e do tempo que se passara desde então, ele não sentia saudade de sua terra natal, já que não tivera ao menos tempo de desenvolver vínculos com o local onde nascera e onde tivera seus primeiros meses de vida. Mesmo que às vezes a curiosidade o dominasse, não reclamava de maneira alguma. Seu futuro promissor pelo qual lutava para fazer crescer não teria a menor possibilidade de ocorrer se não tivesse sido adotado.
O nome que recebera de seus pais biológicos, antes de ser deixado em um abrigo para crianças órfãs era William de Abreu e tornara-se John William Morris, devido ao desejo de seus pais adotivos de dar-lhe não apenas uma educação e meios de construir uma carreira, mas sim dar-lhe, juntamente com o sobrenome forte que a família possuía, a grande força para fazê-lo bem-visto na sociedade americana.
Formara-se de forma exemplar, tornando-se logo professor e doutor da mesma universidade que o transformara de estudante indeciso em homem forte e com um futuro promissor. Sua graduação fora comemorada pela família em grande estilo e recebera de seu pai, agora muito doente, o direito de controlar suas finanças, fortuna essa suficiente para que ele vivesse por incontáveis anos sem trabalhar de forma alguma, se assim desejasse.
Tudo corria de forma comum em sua vida, sem grandes percalços ou conquistas até que a maior tristeza de sua vida abateu-se sobre ele. Aos poucos se tornou frio e reservado, evitando expor seus sentimentos para as outras pessoas que o rodeavam. Concentrou-se em suas pesquisas cientificas e em pouco tempo construira certa reputação dentro do meio acadêmico.
Visando evitar maiores boatos sobre sua vida pessoal, decidiu que deveria voltar a viver a vida agitada que levava, mesmo que fosse apenas para que as aparências não o fizessem alvo de especulações e fofocas.
Desceu as escadas que levavam do andar onde ficavam os computadores de monitoramento e suas maquinas de pesquisa, passando por uma passagem escondida atrás de uma escada falsa. A escada falsa levava até um quarto pequeno, que era visível do lado de fora da casa. Ali ele deixava apenas seus equipamentos esportivos e o equipamento de fotografia, que era sua única distração.
Chegou até a sala principal, tentando se lembrar dos motivos que poderiam te-lo feito ter novamente o pesadelo com o homem estranho e sua morte. Sempre que o tivera antes existia uma relação com fatos que aconteceram no dia. Era um tipo de reação natural a fatos que causavam aborrecimento extremo em John. No entanto, grande parte de suas lembranças da noite anterior pareciam apagadas pelas incríveis doses de bebida que ele recordava ter consumido.
Com certeza sua memória estava afetada pelo álcool contido nas bebidas da boate em que estivera na noite anterior, procurando viver novamente a vida que levava antes dos projetos científicos que tomavam seu tempo e sua atenção. Lembrava-se de pequenos acontecimentos, como ter entregado o carro a um manobrista com uma cicatriz no rosto, de beber uma dose forte de uísque e então tudo se tornar passageiro.
O que restara da noite agitada que provavelmente tivera não eram manchas de batom em sua camisa branca e impecável ou arranhões na lataria devidamente bem cuidada de sua Ferrari preta, que compra como primeiro presente para si mesmo assim que recebeu o controle do dinheiro que sua família lhe havia passado. A marca maior da noite era, juntamente com uma terrível dor de cabeça que insistia em não passar, apesar do grande numero de analgésicos que usara, algo que talvez nunca lhe ocorrera em toda a vida.
Em seu quarto, amplo e bem decorado, havia uma mulher deitada em seus lençóis de fina seda. Seu perfume era adocicado e atrativo e parecia não se dissipar com o tempo. Não que ter uma mulher ali fosse novidade para ele, habituado a dividir sua cama com grandes nomes da sociedade, por ser um dos mais importantes cidadãos de sua cidade, além de possuir uma das maiores fortunas pessoais da atualidade.
O grande diferencial e talvez o ponto mais confuso era não saber quem era a moça que estava ali, naquela manhã confusa e cinzenta. Tentou se recordar quem era e o porquê ela se encontrava em sua casa, mas não conseguiu. Suas lembranças estavam manchadas por uma grande confusão mental que lhe tornava tudo mais difícil.
A mulher era de uma beleza incrível. Seu rosto era pálido e belo, com suaves madeixas loiras a emoldurar-lhe o rosto bem desenhado, que se fazia ainda mais belo pelos singelos e profundos olhos azuis que possuía. Seu corpo era bem formado e bonito, com seios fartos e volumosos, coxas grossas e bem definidas, que estavam à mostra em um vestido curto, negro, que provavelmente custava tão caro quanto às jóias que usava em seu pescoço e dedos. Seus lábios eram rosados e sua roupa parecia manchada de vermelho. Uma analise mais distante provavelmente resultaria na conclusão que a jovem estava dormindo após uma grandiosa noite de amor, não fossem os olhos abertos.
Ao se aproximar da mulher que estava em sua cama, John percebeu algo que o fez respirar mais fundo e que fez seu coração ficar extremamente acelerado. O rosto da jovem, ainda que bastante claro, estava mais descorado que o restante do corpo. A temperatura corporal parecia um pouco abaixo do normal e não era possível sentir sua pulsação nem sua respiração.
Seus olhos não acompanhavam o movimento de seus dedos e não havia resposta quando tocava os braços ou mesmo seu rosto. Confuso, John percebeu que não recordava quem era a mulher e nem como ela chegara até ali.
O que o deixava pasmo e assustado não era perceber que a mulher, seminua e inconsciente, estava deitada em sua cama, onde ele mesmo dormia há pouco. Isso fazia certo sentido, apesar dele não se recordar do que acontecera até ali.
O grande problema, no entanto, foi sua constatação final. Deu-se conta, finalmente, do que parecia ocorrer ali.
A bela jovem, que parecia dormir em seu leito, estava morta.
John acordara cedo, pronto para dirigir-se ao laboratório que construira em sua propriedade rural, distante dali algumas horas. Uma vez estando lá, poderia facilmente passar dias sem ter que voltar à sociedade, já que tudo fora preparado para grandes estadias. Havia alimento suficiente para meses e a fonte de água mineral que fora perfurada ali poderia conceder-lhe mantimento para uma estadia longa.
No entanto a chuva interminável tornara impossível a travessia do rio que separava a casa e o laboratório da estrada existente. O rio aumentara seu volume de tal forma que mesmo pela ponte construída ali não era possível cruzar o rio de forma segura.
Seu projeto maior estava em andamento e ele não poderia se dar ao luxo de deixar que ele ficasse sem sua vigilância direta. O laboratório era totalmente equipado com os maiores avanços da tecnologia e podia ser totalmente monitorado remotamente. O sistema de segurança, criado por ele mesmo, era impenetrável e nem mesmo grandes nomes da invasão de sistemas foram capazes de atravessá-lo.
Apesar de tamanha facilidade, a total mecanização dos procedimentos tornava tudo mais solitário, já que além dele mesmo, não haviam outras pessoas a dividir o mesmo espaço. Tudo era feito de silencioso metal e plástico, que não produziam o menor ruído enquanto funcionavam.
Nascera em uma distante cidade no sul do Brasil, de onde fora levado para os Estados Unidos quando contava apenas três anos de idade e desde então nunca pisara em solo brasileiro novamente. Apesar da enorme distancia e do tempo que se passara desde então, ele não sentia saudade de sua terra natal, já que não tivera ao menos tempo de desenvolver vínculos com o local onde nascera e onde tivera seus primeiros meses de vida. Mesmo que às vezes a curiosidade o dominasse, não reclamava de maneira alguma. Seu futuro promissor pelo qual lutava para fazer crescer não teria a menor possibilidade de ocorrer se não tivesse sido adotado.
O nome que recebera de seus pais biológicos, antes de ser deixado em um abrigo para crianças órfãs era William de Abreu e tornara-se John William Morris, devido ao desejo de seus pais adotivos de dar-lhe não apenas uma educação e meios de construir uma carreira, mas sim dar-lhe, juntamente com o sobrenome forte que a família possuía, a grande força para fazê-lo bem-visto na sociedade americana.
Formara-se de forma exemplar, tornando-se logo professor e doutor da mesma universidade que o transformara de estudante indeciso em homem forte e com um futuro promissor. Sua graduação fora comemorada pela família em grande estilo e recebera de seu pai, agora muito doente, o direito de controlar suas finanças, fortuna essa suficiente para que ele vivesse por incontáveis anos sem trabalhar de forma alguma, se assim desejasse.
Tudo corria de forma comum em sua vida, sem grandes percalços ou conquistas até que a maior tristeza de sua vida abateu-se sobre ele. Aos poucos se tornou frio e reservado, evitando expor seus sentimentos para as outras pessoas que o rodeavam. Concentrou-se em suas pesquisas cientificas e em pouco tempo construira certa reputação dentro do meio acadêmico.
Visando evitar maiores boatos sobre sua vida pessoal, decidiu que deveria voltar a viver a vida agitada que levava, mesmo que fosse apenas para que as aparências não o fizessem alvo de especulações e fofocas.
Desceu as escadas que levavam do andar onde ficavam os computadores de monitoramento e suas maquinas de pesquisa, passando por uma passagem escondida atrás de uma escada falsa. A escada falsa levava até um quarto pequeno, que era visível do lado de fora da casa. Ali ele deixava apenas seus equipamentos esportivos e o equipamento de fotografia, que era sua única distração.
Chegou até a sala principal, tentando se lembrar dos motivos que poderiam te-lo feito ter novamente o pesadelo com o homem estranho e sua morte. Sempre que o tivera antes existia uma relação com fatos que aconteceram no dia. Era um tipo de reação natural a fatos que causavam aborrecimento extremo em John. No entanto, grande parte de suas lembranças da noite anterior pareciam apagadas pelas incríveis doses de bebida que ele recordava ter consumido.
Com certeza sua memória estava afetada pelo álcool contido nas bebidas da boate em que estivera na noite anterior, procurando viver novamente a vida que levava antes dos projetos científicos que tomavam seu tempo e sua atenção. Lembrava-se de pequenos acontecimentos, como ter entregado o carro a um manobrista com uma cicatriz no rosto, de beber uma dose forte de uísque e então tudo se tornar passageiro.
O que restara da noite agitada que provavelmente tivera não eram manchas de batom em sua camisa branca e impecável ou arranhões na lataria devidamente bem cuidada de sua Ferrari preta, que compra como primeiro presente para si mesmo assim que recebeu o controle do dinheiro que sua família lhe havia passado. A marca maior da noite era, juntamente com uma terrível dor de cabeça que insistia em não passar, apesar do grande numero de analgésicos que usara, algo que talvez nunca lhe ocorrera em toda a vida.
Em seu quarto, amplo e bem decorado, havia uma mulher deitada em seus lençóis de fina seda. Seu perfume era adocicado e atrativo e parecia não se dissipar com o tempo. Não que ter uma mulher ali fosse novidade para ele, habituado a dividir sua cama com grandes nomes da sociedade, por ser um dos mais importantes cidadãos de sua cidade, além de possuir uma das maiores fortunas pessoais da atualidade.
O grande diferencial e talvez o ponto mais confuso era não saber quem era a moça que estava ali, naquela manhã confusa e cinzenta. Tentou se recordar quem era e o porquê ela se encontrava em sua casa, mas não conseguiu. Suas lembranças estavam manchadas por uma grande confusão mental que lhe tornava tudo mais difícil.
A mulher era de uma beleza incrível. Seu rosto era pálido e belo, com suaves madeixas loiras a emoldurar-lhe o rosto bem desenhado, que se fazia ainda mais belo pelos singelos e profundos olhos azuis que possuía. Seu corpo era bem formado e bonito, com seios fartos e volumosos, coxas grossas e bem definidas, que estavam à mostra em um vestido curto, negro, que provavelmente custava tão caro quanto às jóias que usava em seu pescoço e dedos. Seus lábios eram rosados e sua roupa parecia manchada de vermelho. Uma analise mais distante provavelmente resultaria na conclusão que a jovem estava dormindo após uma grandiosa noite de amor, não fossem os olhos abertos.
Ao se aproximar da mulher que estava em sua cama, John percebeu algo que o fez respirar mais fundo e que fez seu coração ficar extremamente acelerado. O rosto da jovem, ainda que bastante claro, estava mais descorado que o restante do corpo. A temperatura corporal parecia um pouco abaixo do normal e não era possível sentir sua pulsação nem sua respiração.
Seus olhos não acompanhavam o movimento de seus dedos e não havia resposta quando tocava os braços ou mesmo seu rosto. Confuso, John percebeu que não recordava quem era a mulher e nem como ela chegara até ali.
O que o deixava pasmo e assustado não era perceber que a mulher, seminua e inconsciente, estava deitada em sua cama, onde ele mesmo dormia há pouco. Isso fazia certo sentido, apesar dele não se recordar do que acontecera até ali.
O grande problema, no entanto, foi sua constatação final. Deu-se conta, finalmente, do que parecia ocorrer ali.
A bela jovem, que parecia dormir em seu leito, estava morta.
domingo, 11 de julho de 2010
Capitulo Um: O inicio
Chovia muito naquela noite de novembro e John William Morris olhava pela janela, pensando no quanto seus estudos poderiam se tornar importantes para o mundo, quando ficasse comprovado que ele, o herdeiro de uma das maiores fortunas do planeta, havia descoberto a cura para a doença mais terrível conhecida pelo homem.
O câncer sempre causara na humanidade o temor pela morte. Uma das doenças mais antigas a qual o homem tomou conhecimento, o câncer não teve uma cura realmente eficiente encontrada mesmo após muitos anos de pesquisa especifica. Todos os tratamentos existentes exigiam muito do paciente e, muitas vezes, causavam efeitos tão indesejáveis como a própria doença. No entanto, quem estava doente se via obrigado a agarrar estas oportunidades, pois eram as únicas chances de sobreviver.
Agora ele poderia dizer ao mundo e, o mais importante, a si mesmo que sua vida valia a pena. Perdera uma pessoa de extrema importância em sua vida para o câncer e a partir de então se dedicou totalmente às pesquisas, procurando por respostas e por uma cura que realmente trouxesse de volta a saúde de quem estava sendo tratado.
Começou procurando pelo caminho inverso. Ao invés de tentar entender como curar o câncer, ele procurou por soluções utilizadas e que não deram certo. Assim ele poderia restringir suas buscas ao que ainda não fora tentado. Num segundo momento procurou entender totalmente o motivo que levava um corpo saudável a gerar tumores muitas vezes fatais. Após concluir que alterações genéticas, mutações dos genes naturais do corpo humano, causavam a multiplicação das células defeituosas, entendeu que o tratamento mais adequado para o quadro clínico de multiplicação celular defeituoso seria reajustar, por meio de engenharia genética, os genes responsáveis, a fim de que eles não saíssem do controle.
Seu método consistiria em reprogramá-los de modo que a multiplicação acelerada e defeituosa fosse parada a tempo, antes que o câncer se alastrasse pelo corpo, causando danos irreversíveis à saúde dos doentes. Por anos procurou meios para fazer com que sua tese se tornasse mais do que um estudo teórico e então, quando recebeu autorização especial das agencias governamentais para iniciar o estudo prático, percebeu que a resposta estava mais visível do que ele mesmo poderia imaginar.
Se a necessidade era reprogramar células, o mais importante seria que essas células pudessem ser totalmente compatíveis com o paciente que as receberia. Então, em uma inovadora técnica de engenharia biogênica, o Dr. Morris conseguiu transformar células-tronco de pacientes doentes em células sadias e, após modificar as instruções gênicas contidas nelas, reimplantá-las no local doente. O processo era lento e difícil e muitas vezes o corpo não respondia de forma satisfatória. No entanto, após algum tempo, as células implantadas começavam a comandar ações de defesa do organismo e a substituir as células doentes.
Com o passar das horas, o controle da multiplicação celular estava totalmente sob o domínio das células implantadas, que por serem sadias evitavam o desenvolvimento e a proliferação da doença no corpo.
Em menos de dez dias, o paciente não apresentava mais qualquer tipo de comportamento celular anormal e podia se dizer que estava curado. O tumor que havia se desenvolvido anteriormente à aplicação das células sadias era removido cirurgicamente e a vida voltaria a ser vivida de forma natural.
Procurou por grandes empresas da área da farmacêutica moderna, esperando encontrar apoio para suas descobertas. Ele, por si só não poderia levantar os recursos necessários para que a reprodução do método fosse feita de forma mundial, visando à cura dos milhões de pacientes com câncer no mundo.
No entanto não poderia imaginar que as reações seriam tão diferentes do que ele esperava. Apesar dos gastos crescentes dos governos com os tratamentos feitos aos doentes, não era conveniente aos grandes nomes do mercado internacional que fosse oferecida uma solução barata e rápida para o problema. O ponto de conflito era que o lucro gerado pela indústria era muito maior do que o possível lucro que seria acarretado pelo lançamento mundial da cura.
Morris, contrariado e totalmente desiludido com o egoísmo vigente no mercado, decidiu que o melhor seria divulgar suas descobertas abertamente, deixando que a pressão pública servisse de ferramenta para que o estudo fosse continuado e repetido pelo mundo. Entrou em contato com as grandes universidades e com os meios de comunicação mais influentes do planeta, para demonstrar que estava disposto a ceder gratuitamente suas descobertas.
Poucas horas depois do primeiro anuncio oficial de que a cura fora descoberta, os maiores sites de busca do mundo mostravam o interesse público no assunto. Os canais de televisão do mundo todo procuravam entrar em contato com um John bastante satisfeito e feliz. Afinal conseguira provar que a solução estava ali.
Percebendo o grande erro que cometeram ao negar apoio ao projeto, as grandes empresas se apressaram a procurá-lo, com ofertas maravilhosas, de valores que talvez convencessem qualquer um. Mas John Morris tinha um sonho, um desejo e a sua luta se tornou mais difícil ao negar publicamente aos pedidos e ofertas pela tecnologia da cura do câncer.
Disse que o estudo seria entregue gratuitamente, desde que fosse provado legalmente que dele não resultariam lucros de qualquer tipo. Recusou-se a dar entrevistas para os meios sensacionalistas e por fim se viu isolado do mundo, procurando pela paz que perdera ao entregar seus sonhos ao mundo.
Mas esse não era o único projeto em que ele estava trabalhando e parecia haver pessoas que sabiam demais em seu meio. Sua pesquisa maior e mais importante não seria divulgada e ele a defenderia a todo custo.
Logo o mundo perceberia que ele era mais do que um cientista louco.
E então, após perceber que seus pensamentos iam longe demais, ele procurou deixá-los de lado e voltar à realidade.
Tinha que apresentar os estudos para uma grande equipe de cientistas e mesmo assim não se sentia seguro. Decidiu então voltar ao trabalho quando o telefone tocou.
- William Morris?
- Sim.
- Sabemos o que está fazendo por baixo dos panos e temos interesse em garantir que toda descoberta seja de exclusiva exploração de nossa empresa. Diga seu preço e será pago.
- Não sei do que você fala. E alem do mais, não preciso de dinheiro.
- Talvez dinheiro não seja o problema, realmente. Mas todos têm um preço. E você sabe exatamente do que se trata. O projeto Broken Life está ativo novamente, não está?
- Como sabe deste projeto? E quem é você?
- Realmente pensa que seus passos não podem ser ouvidos, doutor? Estamos em todos os lugares.
- Me diga seu nome, maldito!
E então o silencio se fez presente e ele percebeu que novamente se deixara acuar pela simples citação do nome do antigo projeto.
Seus pensamentos eram feitos de um misto de medo e raiva, por lembrar-se dos acontecimentos que sucederam o inicio daquele projeto. Tudo podia ter sido colocado a perder por demonstrar, mesmo de forma indireta, que ele reativara o projeto.
Ouviu a voz de uma mulher e quando se virou, percebeu que havia uma grande arma apontada para seu peito. Deu um passo em direção a seu atacante e então sentiu o cartucho ser disparado, o cheiro da pólvora tomando conta do ambiente e então a dor, a terrível dor que ele estava quase se habituando a sentir.
Quando morria novamente, acordou.
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