quarta-feira, 21 de julho de 2010

Capitulo Três: Quando a confusão toma conta

Seu coração ainda estava bastante acelerado quando se aproximou mais da mulher, procurando entender o que estava acontecendo ali. Suas lembranças da noite anterior ainda eram borrões e as palavras que às vezes voltavam à sua mente não faziam sentido. “Beba, meu amor, beba comigo”.

Pensou o tempo que pôde, tentando recordar o que acontecera ali, sem sucesso. Algum tempo passou até que seus instintos e sua ética médica o impeliram a trazer de volta a vida aquela jovem de beleza tão rara. A respiração estava realmente silenciada e a pulsação parecia ter deixado de existir. No entanto o corpo não estava totalmente frio e também não apresentava qualquer tipo de ferimento visível. A única constatação que pôde fazer foi perceber que existiam pequenas manchas avermelhadas em sua pele, indicando picadas de agulha.

Fitou os lindos olhos azuis e então se deu conta de que algo estava muito errado naquela cena. O corpo estava deitado sobre o lençol e este não estava nem um pouco desarrumado, indicando que não se movera após tocar a seda branca que cobria a cama.

- Essa mulher não pode ter morrido aqui. Com toda a certeza seu corpo foi colocado aqui após sua morte. Não se moveu após estar aqui, está impecavelmente arrumado e não está ferido de forma alguma.

Aproximou-se mais, ousando tocar os dedos da jovem, que se estendiam, soltos, sobre seu tórax. Imaginou ver uma reação ao tocá-los, mas não fazia sentido e então se pôs a relembrar algumas cenas que estavam invadindo sua cabeça naquele instante.

Viu-se em uma grande sala, onde várias pessoas discutiam assunto de grande importância, dada a tensão que existia no local. Viu-se sentado na ponta principal da mesa, no lugar de maior destaque. Ouviu quando sua própria voz falou mais alto que a dos demais:

- Acredito que não seja um momento favorável para apresentar ao mundo os segredos desta nova forma de cura. Talvez seja muito arriscado para nossos investimentos.

- Senhor, com todo respeito, acredito que deveria aceitar a oferta que recebemos. O tempo poderá fazer com que a sua determinação não seja tão forte e talvez o momento tenha passado quando isso acontecer. Aceite a oferta deles.

Não conseguiu ver quem falava, apenas perceber que era uma mulher. Sua voz era suave e adocicada e mesmo assim possuía força e determinação ao falar. A palavra oferta, dita duas vezes, não fazia mais sentido que o resto, mas ele tentava juntar os fatos às palavras e entender como aquilo tudo começara. Ele se lembrava também da estranha ligação que recebera dias atrás e que constantemente voltava à sua mente, em seus sonhos ou pesadelos.

Olhou para a mulher e imaginou ver um movimento. Os dedos pareciam ter mudado de posição, os lábios pareciam mais contraídos e os olhos estavam menos abertos.

- Devo estar delirando. Isto está ficando cada vez pior. Preciso tomar algumas atitudes.

Tocou o rosto pálido com a ponta dos dedos e com um sorriso triste, sussurrou:

- Faria muito mais sentido se você acordasse e me explicasse o que está acontecendo aqui.

Afastou-se, indo em direção ao telefone fixo que estava do lado oposto do quarto. Evitava utilizar celulares por crer que eles podiam rastreá-lo e, naquele momento de suas pesquisas, ser seguido e descoberto seria o pior que poderia acontecer a ele.

Teria que ligar para a policia e contar sobre a moça. Sua família provavelmente estaria preocupada e ele mesmo necessitava encontrar respostas para tudo aquilo. Mesmo que isso pudesse atrapalhá-lo de alguma forma, era o certo a ser feito.

O telefone do outro lado da linha tocou por alguns instantes e então uma voz feminina, de tom forte e confiante atendeu:

- Departamento de Policia, em que posso ajudar?


- Com quem eu falo?

- Tenente Donna Stuart.

- Donna? Sou eu, John. Eu estou com um grande problema aqui.

- John, o que houve? Se meteu em algum tipo de confusão?

- O problema é bem grande. Eu não sei se posso explicar por telefone.

- Certo, me diga onde está e o que aconteceu.

- Uma moça... Ela está...

Foi então que ouviu uma voz chamando seu nome. Ela lhe soou familiar e vinha do outro lado do quarto.

- Não conte nada a eles, John. Tudo pode ser resolvido sem o envolvimento da policia.

Preocupado e confuso, John olhou para onde a voz parecia vir e então viu algo que fez seu coração quase parar de bater. O susto não poderia ser maior ao ver que a jovem que ele mesmo dera como morta estava ali, sentada e conversando com ele.

Do outro lado da linha, a policial chamou seu nome, preocupada com o que poderia estar acontecendo.

- John? John, o que houve?

- Donna, ligo para você mais tarde. Adeus.

Desligando o telefone, ele se dirigiu para perto da cama, incrédulo. Não parecia mesmo ser uma manhã normal. Uma mulher morta em sua cama, mas que falava com ele, uma chuva tempestuosa e implacável, gritos, bebida. Tudo tornava a cena mais confusa.

- Você estava morta! Eu mesmo chequei!

- Um médico e cientista como você deveria saber que o efeito colateral de algumas drogas pode ser um quadro de catalepsia temporária. Me desculpe se o assustei, não foi minha intenção. Você foi tão bondoso ao me trazer para cá depois de tudo que aconteceu ontem à noite.

- Catalepsia... Sim, eu realmente deveria ter imaginado. As marcas no braço, a aparente imobilidade, o corpo com temperatura não tão baixa. Faz sentido. No entanto, uma coisa ainda está obscura em minha cabeça. Quem é você?

A moça sorriu, visivelmente decepcionada por perceber que o homem não se lembrava ao menos de seu nome.

- Meu nome é Giulliana, mas você deveria se lembrar disso, William.

- Você sabe meu nome, mas não me faz ao menos lembrar quem você possa ser, me desculpe. Eu a vejo nos flashs de memória da noite anterior, mas eles não são claros o suficiente pra me fazer entender.

- Ontem à noite você estava na boate que costumava freqüentar antes do... incidente que se acometeu sobre você há algum tempo. Tentando me desculpar pelo ocorrido mais cedo, tentei me aproximar de você. Levou certo tempo até conseguir, é claro. Você é um homem extremamente rico e conhecido e muitos são os sanguessugas que querem tirar proveito disto. Mas é claro que com alguns bons contatos e dinheiro fizeram com que o gerente do local me levasse até você.

Uma ruga de tensão se formou na testa de John e então mais alguns momentos da noite anterior vieram a tona.

“Phillip, por que eu deveria receber essa mulher em minha mesa?... Certo, eu entendo que ela seja sua amiga pessoal e por isso farei esse sacrifício”.

“Sabe, você se parece com alguém que conheci há muito tempo. Seu rosto é um pouco mais claro, mas se parece muito com o dela... O nome?... Era Giulliana, assim como o seu. Infelizmente ela faleceu”.

- Continue. Eu sinto em dizer, mas tirando alguns poucos instantes, a noite passada é um incrível mar de escuridão e lembranças vagas.

- Você me ofereceu uma bebida e eu aceitei, claro. São raros os momentos em que se pode desfrutar da presença de John William Morris. E por querer esclarecer a situação que me fizera sentir peso na consciência, deixei que a conversa seguisse seus rumos. Você estava bastante apreensivo e parecia deprimido e então eu tentei levá-lo a um lugar mais reservado, onde pudesse descobrir seus motivos. Saímos da boate e eu o convidei a ir até minha casa. Você aceitou, já que a noite ali parecia promissoramente morta. No caminho eu tive uma grande crise de asma e você me trouxe até aqui.

- Certo, isso explica muita coisa, mas não as drogas nem a catalepsia.

- Eu já ia tratar deste assunto. Chegando aqui você me ofereceu uma bebida, disse que precisava checar algumas coisas em seu computador e que voltaria em um minuto. Eu o segui, discretamente, mas não tive coragem de entrar na sala onde você estava. Você voltou e me explicou que estava trabalhando em um projeto muito importante e que precisava ter certeza de que daria certo.

- O projeto... Sim, mas eu não falaria dele para ninguém neste mundo!

- Você falou. E não parecia tão decidido a não contar, quando me beijou.

- Eu beijei você? E o que mais eu fiz?

- Você me mostrou alguns frascos de um liquido vermelho, que você disse fazer parte do projeto em que estava trabalhando durante todo esse tempo. Eu questionei sobre o que aconteceria caso eu aplicasse em mim. Você sorriu e disse “nada”.

- Como fui irresponsável! Eu nunca poderia ter mostrado esse tipo de material para alguém. Ele é muito perigoso. E você aplicou o liquido com uma seringa enquanto eu me retirei para ver novamente o computador, certo?

- Não. Você aplicou em mim e me disse para deitar, que os efeitos poderiam ser fortes. E então você deitou-se ao meu lado e dormiu. Aos poucos o sono se abateu sobre mim e então eu dormi. E até agora, é tudo que sei.

Algumas imagens atravessaram sua visão e então ele se deu conta de que a mulher que estava ali com ele, falando sobre coisas estranhas, mostrando que ele fora irresponsável e colocando-o em situação bastante delicada não era ninguém menos do que Giulliana Mendes, funcionaria da empresa da família e que tinha sido afastada de seu cargo por denuncia anônima de envolvimento em uma rede de espionagem industrial.

Se ela era Mendes, e tudo indicava que sim, por que parecia tão sincera e verdadeira ao dizer que ele mesmo quebrara seu incrível sistema de segurança e mostrara a ela parte de seu projeto mais secreto? Seria esse um argumento para que ele se sentisse culpado e baixasse a guarda? Ele não se conformava em ter entregado a alguém que não conhecia os segredos de anos de esforço.

- Você não deveria estar aqui! Você está sendo investigada por espionagem industrial e eu posso me complicar com as autoridades mantendo contato com você. Talvez seja melhor você ir embora.

- Pensei que você tivesse entendido os motivos pelos quais estou aqui. Agi de forma tola ao trair sua confiança e na ultima reunião da empresa, eu agi de forma contrária ao que mandava a ética e entreguei todo o conteúdo da reunião à pessoas de duas empresas concorrentes.

- Você realmente está envolvida em espionagem! O que mais você esconde por trás dessa mascara de boa moça?

- Eu fui ameaçada! Eles disseram que se eu não entregasse o que eles queriam saber, me matariam e também matariam meu irmão pequeno. Moramos somente nós dois e eu não poderia deixar que nada de mal lhe acontecesse. Perdoe-me por isso, John.

- Certo. Eu posso compreender seus motivos. Sempre que somos atingidos no que nos é mais importante, tendemos a cair em armadilhas. Sou o maior exemplo disso. Quando ela morreu, eu... bem, deixemos isso no passado.

- Existe algo que você precisa saber de algo. Eles...

Quando a resposta para suas dúvidas parecia estar prestes a ser entregue a ele, John ouviu batidas na porta. Como não obteve resposta, a pessoa que estava ali gritou, com visível irritação em sua voz:

- John William Morris, sabemos que Giulliana Mendes está com você. Abra a porta.

Enquanto John processava a ultima informação, a voz deu seu ultimato:

- Abra a porta, John. Aqui é a policia.

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