O dia nascera frio e escuro naquela sexta-feira de novembro. A chuva começara logo nas primeiras horas do dia e não dera trégua até aquele momento. Parecia que seria mais um dia longo e difícil de suportar.
John acordara cedo, pronto para dirigir-se ao laboratório que construira em sua propriedade rural, distante dali algumas horas. Uma vez estando lá, poderia facilmente passar dias sem ter que voltar à sociedade, já que tudo fora preparado para grandes estadias. Havia alimento suficiente para meses e a fonte de água mineral que fora perfurada ali poderia conceder-lhe mantimento para uma estadia longa.
No entanto a chuva interminável tornara impossível a travessia do rio que separava a casa e o laboratório da estrada existente. O rio aumentara seu volume de tal forma que mesmo pela ponte construída ali não era possível cruzar o rio de forma segura.
Seu projeto maior estava em andamento e ele não poderia se dar ao luxo de deixar que ele ficasse sem sua vigilância direta. O laboratório era totalmente equipado com os maiores avanços da tecnologia e podia ser totalmente monitorado remotamente. O sistema de segurança, criado por ele mesmo, era impenetrável e nem mesmo grandes nomes da invasão de sistemas foram capazes de atravessá-lo.
Apesar de tamanha facilidade, a total mecanização dos procedimentos tornava tudo mais solitário, já que além dele mesmo, não haviam outras pessoas a dividir o mesmo espaço. Tudo era feito de silencioso metal e plástico, que não produziam o menor ruído enquanto funcionavam.
Nascera em uma distante cidade no sul do Brasil, de onde fora levado para os Estados Unidos quando contava apenas três anos de idade e desde então nunca pisara em solo brasileiro novamente. Apesar da enorme distancia e do tempo que se passara desde então, ele não sentia saudade de sua terra natal, já que não tivera ao menos tempo de desenvolver vínculos com o local onde nascera e onde tivera seus primeiros meses de vida. Mesmo que às vezes a curiosidade o dominasse, não reclamava de maneira alguma. Seu futuro promissor pelo qual lutava para fazer crescer não teria a menor possibilidade de ocorrer se não tivesse sido adotado.
O nome que recebera de seus pais biológicos, antes de ser deixado em um abrigo para crianças órfãs era William de Abreu e tornara-se John William Morris, devido ao desejo de seus pais adotivos de dar-lhe não apenas uma educação e meios de construir uma carreira, mas sim dar-lhe, juntamente com o sobrenome forte que a família possuía, a grande força para fazê-lo bem-visto na sociedade americana.
Formara-se de forma exemplar, tornando-se logo professor e doutor da mesma universidade que o transformara de estudante indeciso em homem forte e com um futuro promissor. Sua graduação fora comemorada pela família em grande estilo e recebera de seu pai, agora muito doente, o direito de controlar suas finanças, fortuna essa suficiente para que ele vivesse por incontáveis anos sem trabalhar de forma alguma, se assim desejasse.
Tudo corria de forma comum em sua vida, sem grandes percalços ou conquistas até que a maior tristeza de sua vida abateu-se sobre ele. Aos poucos se tornou frio e reservado, evitando expor seus sentimentos para as outras pessoas que o rodeavam. Concentrou-se em suas pesquisas cientificas e em pouco tempo construira certa reputação dentro do meio acadêmico.
Visando evitar maiores boatos sobre sua vida pessoal, decidiu que deveria voltar a viver a vida agitada que levava, mesmo que fosse apenas para que as aparências não o fizessem alvo de especulações e fofocas.
Desceu as escadas que levavam do andar onde ficavam os computadores de monitoramento e suas maquinas de pesquisa, passando por uma passagem escondida atrás de uma escada falsa. A escada falsa levava até um quarto pequeno, que era visível do lado de fora da casa. Ali ele deixava apenas seus equipamentos esportivos e o equipamento de fotografia, que era sua única distração.
Chegou até a sala principal, tentando se lembrar dos motivos que poderiam te-lo feito ter novamente o pesadelo com o homem estranho e sua morte. Sempre que o tivera antes existia uma relação com fatos que aconteceram no dia. Era um tipo de reação natural a fatos que causavam aborrecimento extremo em John. No entanto, grande parte de suas lembranças da noite anterior pareciam apagadas pelas incríveis doses de bebida que ele recordava ter consumido.
Com certeza sua memória estava afetada pelo álcool contido nas bebidas da boate em que estivera na noite anterior, procurando viver novamente a vida que levava antes dos projetos científicos que tomavam seu tempo e sua atenção. Lembrava-se de pequenos acontecimentos, como ter entregado o carro a um manobrista com uma cicatriz no rosto, de beber uma dose forte de uísque e então tudo se tornar passageiro.
O que restara da noite agitada que provavelmente tivera não eram manchas de batom em sua camisa branca e impecável ou arranhões na lataria devidamente bem cuidada de sua Ferrari preta, que compra como primeiro presente para si mesmo assim que recebeu o controle do dinheiro que sua família lhe havia passado. A marca maior da noite era, juntamente com uma terrível dor de cabeça que insistia em não passar, apesar do grande numero de analgésicos que usara, algo que talvez nunca lhe ocorrera em toda a vida.
Em seu quarto, amplo e bem decorado, havia uma mulher deitada em seus lençóis de fina seda. Seu perfume era adocicado e atrativo e parecia não se dissipar com o tempo. Não que ter uma mulher ali fosse novidade para ele, habituado a dividir sua cama com grandes nomes da sociedade, por ser um dos mais importantes cidadãos de sua cidade, além de possuir uma das maiores fortunas pessoais da atualidade.
O grande diferencial e talvez o ponto mais confuso era não saber quem era a moça que estava ali, naquela manhã confusa e cinzenta. Tentou se recordar quem era e o porquê ela se encontrava em sua casa, mas não conseguiu. Suas lembranças estavam manchadas por uma grande confusão mental que lhe tornava tudo mais difícil.
A mulher era de uma beleza incrível. Seu rosto era pálido e belo, com suaves madeixas loiras a emoldurar-lhe o rosto bem desenhado, que se fazia ainda mais belo pelos singelos e profundos olhos azuis que possuía. Seu corpo era bem formado e bonito, com seios fartos e volumosos, coxas grossas e bem definidas, que estavam à mostra em um vestido curto, negro, que provavelmente custava tão caro quanto às jóias que usava em seu pescoço e dedos. Seus lábios eram rosados e sua roupa parecia manchada de vermelho. Uma analise mais distante provavelmente resultaria na conclusão que a jovem estava dormindo após uma grandiosa noite de amor, não fossem os olhos abertos.
Ao se aproximar da mulher que estava em sua cama, John percebeu algo que o fez respirar mais fundo e que fez seu coração ficar extremamente acelerado. O rosto da jovem, ainda que bastante claro, estava mais descorado que o restante do corpo. A temperatura corporal parecia um pouco abaixo do normal e não era possível sentir sua pulsação nem sua respiração.
Seus olhos não acompanhavam o movimento de seus dedos e não havia resposta quando tocava os braços ou mesmo seu rosto. Confuso, John percebeu que não recordava quem era a mulher e nem como ela chegara até ali.
O que o deixava pasmo e assustado não era perceber que a mulher, seminua e inconsciente, estava deitada em sua cama, onde ele mesmo dormia há pouco. Isso fazia certo sentido, apesar dele não se recordar do que acontecera até ali.
O grande problema, no entanto, foi sua constatação final. Deu-se conta, finalmente, do que parecia ocorrer ali.
A bela jovem, que parecia dormir em seu leito, estava morta.
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